Capitães da Areia relata a história de um grupo de garotos, liderados por Pedro Bala, entre oito e dezesseis anos, que aterrorizavam a cidade com seus atos de ousadia e audácia, na década de trinta. Vivendo num trapiche abandonado, na cidade baixa, próximo ao porto, os garotos, ou melhor, crianças, levavam a vida como adultos, conhecendo a cidade como ninguém, com vida sexual já ativa e tendo nos furtos sua forma de sobrevivência. Aparentemente satisfeitos com a liberdade que possuíam os meninos, a exemplo de Sem-Pernas, conviviam com um grande conflito interno, pois sabiam que levavam a pior das vidas e sentiam falta de uma família, um pai ou uma mãe que os acolhessem e os tratassem bem. Isso fica claro quando, numa certa ocasião, Sem-Pernas, que sempre era enviado às casas, para estudar o local dos prováveis futuros roubos, se passando por um menor carente e bom garoto (o que não era uma mentira), foi acolhido com muito afeto e quase não voltou para o grupo, pois ali recebera um tratamento que nunca tivera. Outro momento que revela os verdadeiros Capitães da Areia e a sua carência de afeto é a inclusão de Dora no grupo, que por alguns instantes fora objeto de desejo sexual, e logo depois passou a ser como uma mãe para aqueles meninos com seu jeito meigo e carinhoso de agir. Nesse episódio do livro, Jorge Amado, toca numa questão muito importante e tenta quebrar um estereótipo, de que menor abandonado não se restringe apenas a “meninos”, mas inclui também “meninas” de rua, que sofrem e convivem com os mesmos problemas.
Fazendo um paralelo com os dias atuais, a gente percebe e tem a noção de quanto à obra de Jorge Amado é contemporânea, uma vez que, muitos dos problemas que ele expõe ou quase todos eles ainda perduram na cidade, sendo que o mais assustador de tudo isso é que eles se multiplicaram, mesmo com o dito “avanço da sociedade” - mas que avanço é esse? Embora o livro tenha sido escrito há quase setenta anos atrás, os problemas nele contextualizados são extremamente atuais, sobretudo, no que diz respeito aos órgãos competentes, como reformatórios, policias e igrejas, que são citados, mas que de competentes não possuem nada. Pelo contrário, só faziam aumentar a revolta dentro daquelas crianças, com falta de assistencialismo e humanidade que se somava ao preconceito de toda população. Hoje, não existem crianças apenas na região da Cidade Baixa, porém em todos os cantos da cidade, para não dizer por todo estado ou por todo o país. Os órgãos que deveriam cuidar dessa triste realidade continuam desorganizados e descomprometidos com a problemática social, a exemplo do governo que parece ter uma venda nos olhos. A sociedade de um modo geral, por sua vez faz de conta que não vê, tratando essas crianças como “bichos” e esquecendo que elas são nada mais, nada menos, do que o reflexo do que somos enquanto civilização. É preciso entender que antes do menor abandonado existe o ser humano e que devem ser tratados como tal. Professor, como todos os Capitães da Areia tinha um talento e precisou de apenas uma chance para se tornar um cidadão de bem, Pedro Bala tinha o talento nato da liderança, já Pirulito tinha forte vocação sacerdotal, enfim eram como diamantes brutos que precisavam ser lapidados.
Hoje, com certeza existem crianças de rua com talentos que só precisam ser trabalhados, evitando que sejam ofuscados pela marginalidade e pelo crime, o que nos trará um grande benefício: cidadãos ao invés de bandidos. Destarte, é mais correto dizer que os Capitães da Areia não são somente de Jorge Amado, no entanto “nossos”, porque este é um problema que perpassa por toda sociedade e que a sua solução ou para os menos otimistas, amenização, depende única e exclusivamente de como respondemos e lidamos com os vários Pedros Bala, Sem-Pernas, Pirulitos, Gatos, Professores, Joãos-Grande, Doras, etc.
Esta é uma excelente obra, e que trata de um assunto seriíssimo. Entretanto, qualquer pessoa pode ler a história, principalmente estudantes de Ciências Sociais, pois nos permite uma ampla reflexão e discussão do assunto. Além disso, vale ressaltar a marca registrada de Jorge Amado: uma linguagem fácil e acessível, que ajuda muito no entendimento da história e faz com que o leitor se identifique com a obra.
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